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segunda-feira, 23 de maio de 2011

Confissão de TÍCIO à OAB



Meu nome é TÍCIO, tenho 49 anos de idade, sou divorciado e atualmente desempregado. Bem, creio que todos os estudantes de Direito já ouviram ou leram sobre mim. É verdade, sou eu mesmo o famoso Tício dos livros de Direito Penal, aquele que desde os 13 anos vem cometendo diversos crimes ou atos infracionais entabulados no Estatuto da Criança e do Adolescente e no  Código Penal.
Acontece que, de tantas idas e vindas dos tribunais, comecei a olhar aquele lugar com outros olhos: o juiz togado de preto com um semblante sério, mas por dentro uma boa pessoa; o promotor com ira nos olhos pronto para me acusar; o escrivão querendo ser policial e achando que tinha moral; mas o melhor estava do meu lado, mesmo sabendo que era culpado e que não era uma boa pessoa, me defendia e lutava por meus direitos. Esse era meu anjo chamado de Defensor Público.
Após anos no mundo do crime resolvi mudar minha vida. Voltei para escola e fiz supletivo à noite. Infelizmente, com todo o preconceito existente  na sociedade não foi nada fácil encontrar um emprego. De modo que, a única opção que tive foi trabalhar como vigia de carros na cidade. Não era um ambiente muito legal para mim, pois ali havia muitos traficantes, porém me mantive firme e forte até o final.
Nunca me esquecerei dos olhos da minha mãe de satisfação em ver-me na formatura do segundo grau. Ela chorou tanto mais tanto, que nem eu me contive lá do alto do tablado.
Enfim, terminei a primeira etapa da minha vida. Agora precisava entrar numa faculdade. É certo que com o ensino que tive de supletivo não aprendi muita coisa, então a Universidade Federal não era meu lugar.
Assim sendo, a única alternativa que me restava era o PROUNI. Então, fiz a avaliação do ENEM e com a nota razoável que obtive não pude escolher uma das melhores faculdades da minha capital, mas me contentei com a Faculdade João e Maria, pouco conhecida na cidade.
Não foi nada fácil, acordar todos os dias 5:30 da manhã, pegar um ônibus lotado e após quase duas horas de viagem chegar no centro da cidade. Eu trabalhava nos estacionamentos de 7 horas até às 18:30 horas. De lá pegava outro transporte para a faculdade. Já na faculdade, entrava às 19:15 e saia às 22:45. E após a faculdade, novamente pegava o ônibus, após duas horas de viagem, chegava à minha casa. E essa foi a rotinha da minha vida durante os cinco anos de faculdade.
A minha formatura foi o dia mais feliz da minha vida. Eu usando aquela beca preta, tirando fotos ao lado da minha mãe orgulhosa e dos meus amigos. Estava com uma ansiedade “danada” para pegar meu canudo e dizer a todos agora tenho nível superior e que minha vida iria mudar. No tablado daquele grande auditório recebi do reitor o canudo. Momento este que, registrei através de fotos e que estão até hoje na sala da minha casa.
Logo depois viria a próxima etapa da minha vida, isto é, me tornar advogado. Para tanto, era preciso primeiro ser aprovado no Exame de Ordem da OAB, conforme estabelece no Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil. Então desembolsei a “ínfima” quantia de R$ 200,00 e fiz minha inscrição para o referido exame.
Passados três meses, chegou o dia da avaliação que colocaria minha vida nos trechos novamente e que me tornaria também um anjo defensor. Porém, a alegria que tive quando entrei na sala de avaliação logo se foi quando deparei com um caderno de prova com 100 questões e mais de vinte páginas.
No início fui bem, porém depois de 3 horas de prova ainda estava ali pelas 50 questões. Nesse momento o nervosismo foi tomando conta de mim e o que havia estudado na faculdade já não lembrava mais. Tentei e lutei até o final. Sai naquele dia desiludido com a avaliação, mas com esperança que ainda poderia passar na primeira fase.
Novamente, retornei a rotina dos estacionamentos e aguardei por mais um mês o resultado da avaliação. Então, chegado o dia do resultado preliminar, deparei-me com minha reprovação, pois havia tirado 49 pontos. Minha vida desabou na minha frente e cai aos prantos. Contudo, não desistir e recorri de mais de 10 questões da prova, confiante que em pelo menos uma questão seria anulada.
Ao final, saiu o resultado definitivo do Exame de Ordem e fui beneficiado com a anulação de uma questão, que inclusive não foi a que havia recorrido.
Ademais, transcorridos mais dois meses, fiz a segunda fase da avaliação do Exame de Ordem. Outra angustia aconteceu quando deparei com 05 questões subjetiva dificílima e uma peça processual muito complexa, digna para um advogado com mais de dez anos de experiência na área.
Confesso vocês que, não foi nada fácil descobri que havia sido reprovado no meu primeiro Exame de Ordem. Após cinco anos de faculdade, acreditei que minha vida iria mudar, mas surpreendentemente retornei a estaca zero. A OAB aponta que a culpa de minha reprovação foi por causa da péssima escolha de faculdade que freqüentei.
Ora, o problema é que a OAB não sabe da minha vida. Não sabe que não tive condições financeiras de custear uma faculdade melhor e  que trabalhava 12 horas por dia vigiando carros  e ainda tinha que ter forças para estudar mais 4 horas dentro das salas de aula. Bem como, que não tive condições de pagar um preparatório para o Exame de Ordem.
O próximo exame ainda não tem data marcada. E sabe lá se ainda ocorrerá esse ano, mas é certo que a OAB não tem pressa nenhuma em fazê-lo, pois quanto menos advogados na praça melhor para os que já então lá dentro.
Enfim, hoje não sou ninguém, nem sou estudante e muito menos advogado. Sou um ex-criminoso e bacharel em Direito. Não posso ter um trabalho digno e muito menos posso advogar.
Lutei para ser alguém e hoje não sou ninguém. Estou esquecido nessa sociedade e apenas sou lembrado nos livros de direito como marginal.
A Presidente diz que “Hoje não estuda quem não quer”. Ora, eu estudei e não posso trabalhar. O que adiantou o Governo Federal abrir as portas nas universidades para os estudantes pobres e a OAB fechar as portas para a profissão.
O que resta da minha vida? O que dizer para minha mãe? O que dizer aos meus filhos? O que será de mim? 


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