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terça-feira, 16 de novembro de 2010

Quase a metade dos brasilienses gasta uma hora na ida e volta ao trabalho

Quase a metade dos brasilienses gasta uma hora na ida e volta ao trabalhoEsse tempo, segundo pesquisa do Ipea, só não é maior que o do Rio e o de São Paulo

Publicação: 15/11/2010 08:07 Atualização:
Muitas vezes, o trabalho pode ser fonte de preocupação e desgaste. Imagine então quando, ao estresse natural de uma rotina agitada no emprego, soma-se o cansaço inevitável para os que têm necessidade de aguardar diariamente por ônibus, viajar em pé em veículos lotados, andar trechos a pé, trocar de condução. Não há dados exatos sobre o número de pessoas que vivem situações semelhantes, mas é possível ter uma noção do problema levando-se em conta que, de acordo com o Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans), a frota de ônibus do DF leva 14,4 milhões de passageiros por mês. Além disso, levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), feito a pedido do Correio e que teve por base dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2009, mostra que quase metade dos habitantes locais — 48,6% — gasta mais de uma hora diária para ir e voltar do trabalho.

O modelista José Miranda, que mora em Brazlândia, acorda todos os dias às 4h30 para pegar o primeiro ônibus às 5h30, seguir para Taguatinga e conseguir chegar ao trabalho às 7h10 (Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press

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O modelista José Miranda, que mora em Brazlândia, acorda todos os dias às 4h30 para pegar o primeiro ônibus às 5h30, seguir para Taguatinga e conseguir chegar ao trabalho às 7h10
Brasília e sua região metropolitana ficam em terceiro lugar no ranking de unidades da Federação com maior parcela da população enfrentando a demora (veja quadro). Embora o número seja referente a usuários tanto do transporte público quanto de veículos privados, serve de parâmetro para avaliar a atipicidade do quadro existente no DF. São Paulo e Rio ocupam, respectivamente, o primeiro e o segundo postos, mas possuem uma malha viária muito mais extensa e complexa do que a da capital federal.

Segundo Carlos Henrique Carvalho, técnico de Planejamento e Pesquisa do Ipea, as dificuldades dos usuários de transportes coletivos podem ser associadas à maior ou menor concentração dos empregos e principais atividades urbanas em determinadas zonas das regiões metropolitanas. No caso de Brasília, destaca ele, a atividade econômica ainda está bastante concentrada na área central e em suas adjacências. “Quando se tem uma distribuição melhor dos empregos, não ocorre isso”, diagnostica. Ele cita, ainda, o transporte público precário como um agravante da situação. “Há problemas com os ônibus e o metrô, um meio de transporte rápido, mas ainda sem capacidade para atender toda a população”, avalia. O metrô local cobre apenas o eixo sul do DF e conduz 150 mil passageiros por mês. Levá-lo para o eixo norte, uma promessa do governo eleito, custará cerca de
R$ 1 milhão por quilômetro.

Rotina cruel
A costureira Cristiane Fernandes da Silva, 30 anos, é moradora da Cidade Ocidental, município goiano a 48km de Brasília. Ela trabalha na Área de Desenvolvimento Econômico (ADE) de Águas Claras, na fábrica da grife de roupas Avanzzo. Para chegar lá todos os dias pontualmente às 8h, levanta-se às 5h, para pegar o ônibus às 7h10. Desembarca na Candangolândia e pega mais uma condução. Se o coletivo não cumpre o horário — o que ocorre com certa frequência, segundo Cristiane —, a costureira bate ponto mais tarde e tem que compensar o atraso no fim do dia. “Semana passada, o carro da Viação Anapolina quebrou e a gente ficou esperando uma hora. Cheguei à empresa às 9h15 e tive que trabalhar uma hora a mais. Senão, descontam do salário no fim do mês”, diz. O horário habitual de chegar em casa para ela é às 21h. “Vou dormir por volta de meia-noite, para levantar de madrugada. Tem vezes que sinto muito cansaço, zonzeira, dor de cabeça.”

O modelista José Miranda, 45 anos, vive situação parecida. Funcionário da linha de produção da Confraria, marca de acessórios femininos com lojas na capital federal, ele mora em Brazlândia, a 45km de Brasília, e levanta-se antes do sol nascer, às 4h30, para pegar a condução das 5h20. Vai para Taguatinga e de lá segue para o Setor de Indústrias Bernardo Sayão, no Núcleo Bandeirante, onde funciona a fábrica. “Em geral, estou lá às 7h10”, conta. Na volta, José Miranda gasta de duas horas e meia a três, chegando em casa entre as 20h30 e as 21h.

A costureira Cristiane Fernandes da Silva começa seu dia às 5h, mas, quando há atraso de ônibus, bate ponto mais tarde e tem de trabalhar extra para compensar o tempo (Oswaldo Reis/Esp. CB/D.A Press
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A costureira Cristiane Fernandes da Silva começa seu dia às 5h, mas, quando há atraso de ônibus, bate ponto mais tarde e tem de trabalhar extra para compensar o tempo
A psicóloga Carmem Cavalcanti, sócia-diretora da empresa de consultoria Rhaiz Soluções em Recursos Humanos, diz que rotinas extenuantes costumam impactar diretamente na saúde e na vida profissional. “O funcionário fica sujeito a variáveis que não consegue controlar. O horário do ônibus, as condições da viagem, desconforto, ansiedade, tudo isso contribui para que o estresse já aconteça logo cedo. Isso gera desgaste na relação de trabalho e risco de atrito mesmo com o empregador. Outra questão é que vai criando angústia, irritabilidade na pessoa, cansaço mental. Do ponto de vista físico, a pessoa viaja em condições que chegam a ser desumanas. A longo prazo, pode desenvolver problemas na coluna e outras dores ortopédicas”, avalia.


O martírio
Confira as regiões metropolitanas que têm maior percentual de trabalhadores enfrentando demora superior a meia hora para fazer o percurso casa-trabalho (ou seja, gastam uma hora para ir e voltar)

Rio de Janeiro - 56,1%
São Paulo - 55,6%
Distrito Federal - 48,6%
Pernambuco - 46,4%
Minas Gerais - 44,2%
Bahia - 43,5%
Paraná - 40,3%
Ceará - 37,1%
Rio Grande do Sul - 32,8%

Diferentes dimensões da demora para chegar ao trabalho no DF

Até 30 minutos - 51,4% da população
Entre 30 e 60 minutos - 37,1% da população
Mais de uma hora - 11,5% da população

Fonte: Ipea, com dados da Pnad 2009 


Dificuldade é geral
A logística complicada que os funcionários têm de administrar para chegar ao trabalho e a influência que a situação tem sobre o estado de ânimo e a produtividade deles são problemas tão palpáveis que incomodam os próprios patrões. André Naegele, que comanda a Avanzzo, diz ter dificuldades até para agendar entrevistas a fim de contratar funcionários para a fábrica da grife. Tudo por causa do transporte público insatisfatório, que agrava o fato de a indústria situar-se em um local de acessibilidade difícil, a ADE de Águas Claras. “Em geral, as indústrias ficam mesmo em uma área afastada. Mas isso não costuma ser um problema tão grande em outras cidades”, afirma Naegele.

O empresário, que emprega 29 pessoas, diz que praticamente todos pegam uma segunda condução. Há um tempo, a indústria resolveu disponibilizar uma van para transportar os funcionários, mas, segundo Naegele, a medida não resolveu o problema. “Descobrimos que é preciso renovar a licença no Detran a cada 90 dias e que estávamos autorizados a fazer um único itinerário.” Ele afirma que seus contratados residem todos no eixo sul do Distrito Federal — Taguatinga, Riacho Fundo, Recanto das Emas, Valparaíso (GO) e Cidade Ocidental. “Quando você se move para o outro lado, ninguém quer trabalhar.”

Trânsito
O dono da Avanzzo queixa-se ainda da engenharia de trânsito do DF. “Além da dificuldade em pegar ônibus, o funcionário mal consegue atravessar a pista. As passarelas ficam a 800, mil metros da fábrica. Uma vez entrevistei um rapaz e comuniquei que ele havia sido contratado. Isso foi de dia. À noite, ele ligou avisando que não iria ficar no emprego porque havia gastado 25 minutos só para atravessar a via”, relata.

Proprietário das lojas e fábrica da marca de acessórios Confraria, Eduardo Ávila tem reclamações semelhantes. “A gente até tentou contratar gente próxima da nossa indústria, que funciona no Núcleo Bandeirante. Mas nem sempre dá certo, porque precisamos de mão de obra qualificada”, afirma. Durante nove anos, ele manteve sua fábrica em Belo Horizonte. “Aqui eu não tinha mão de obra, não tinha como crescer. Começou a dar supercerto. As pessoas que moravam longe tinham transporte integrado. Só que a gente estava se matando na ponte aérea”, conclui.
fonte: correioweb.com.br

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